quinta-feira, 18 de junho de 2009



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RELEMBRANDO

Viste como este Mundo,
Por toda a parte,
É cheio de miséria e podridão,
De mistura com beleza e arte?...


Viste o drogado,
Jovem ainda, estendido
No chão,
Roto, perdido,
Esfarrapado?...


E aquela criança,
Pagando o crime que não cometeu;
Sem alegria, sem esperança,
Sem amor e sem escola;
De cabelos desgrenhados,
Descalça, rosto sujo,
Recolhendo a fria esmola
De quem passa
Indiferente à sua desdita,
Alheio à sua desgraça?!


Viste como os homens passam
E as coisas ficam,
Ainda que carcomidas pelo rolar
Vertiginoso dos anos ?...


...Foi ali... Foi ali
Que Nero fez brotar
Da nascente da maldição,
Um rio de sangue !...


Relembrar tudo isto,
Com sentida emoção,
Tudo quanto foi visto
Com os olhos da alma
E do coração...


É reviver
Um sonho feito realidade...
É adormecer
Com indizível prazer,
Nos braços carinhosos
Da nossa maior saudade!...



José Maria Lopes de Araújo

O Caminho da Vida


O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém extraviamo-nos.

A cobiça envenou a alma dos homens...levantou no mundo as muralhas do ódios...e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e morticínios.

Criamos a época da velocidade, mas sentimo-nos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.

Os nossos conhecimentos fizeram-nos cépticos; a nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.

Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

(O último discurso, do filme "O Grande Ditador")

Charles Chaplin

Exausto

Exausto.
Sinto-me assim:
exausto como um vazio parado,
um vento que não sai.


Inútil como uma
pronúncia sem pátria,
percorro as esquinas da vida
- e torno atrás... esquecimento -

Torno atrás em cada esquina
em cada ângulo
até que pare
de me sentir exausto e inútil.

É neste círculo vicioso
que eu peço que me procurem
e, em favor,
me dêem uma órbita.

Teixeira Moita

(Traduzido e publicado Na Antologia "In Our Own Words"- ed. MPW - EUA)

O Poema em que te Busco é a Minha Rede


O poema em que te busco é a minha rede,
Bem mais de borboletas que de peixes,
E é o copo em que te bebo: morro à sede
Mas ainda és Margarida e não me deixes
E muito mais, no enumerar das coisas:
Cordão de laço e corda de violino,
Saliva de verdade nalgum beijo,
E poisas
Como ave de aço em pão se não te vejo.
Mas onde mais real do céu me avisas
É nas tuas camisas,
Calças de cor no catre bem dobradas.
E és os meus pensamentos, se te ausentas,
Meu ciúme escuro como vinho em toalha;
E o branco circular das horas lentas
Que um perfurante amor lembrado espalha.
Põe o penso no velo intercrural
Com um atilho vertical:
Rosa coberta esquiva
Quer a mão do desejo, quer
O conhecido cravo da agressão
Que estendo às tuas formas de mulher,
Com esta soma e verbal percaução
De um fónico doutor de Mompilher.

Vitorino Nemésio

NADA FICA

Nada Fica


Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.

Fernando Pessoa